quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre um quase-acidente


Aconteceu num vôo de instrução, recentemente. Já na perna do vento, portanto voando paralelamente à pista e se preparando para o pouso, o instrutor ajuda o aluno a lembrar da sequencia de checklist. Magnetos e master ligados, mistura rica. Ar quente do carburador, aberto. Seletora de combustível no tanque inferior.

Nessa hora o instrutor tem muitas coisas para pensar. Como orientar o aluno da melhor forma possível e ainda assim deixá-lo livre para cometer alguns erros de julgamento e aprender com isso? Há outras aeronaves voando no circuito de tráfego? Já nos comunicamos? Há alguma aeronave sem rádio por perto? Há alguém querendo decolar? É hora de aplicar uma pane simulada no aluno, ou é melhor deixá-lo prosseguir normalmente com o pouso? O aluno está mantendo a velocidade do avião com segurança? Está transmitindo confiança, mostrando que vai ser capaz de conduzir o pouso sozinho? Ou está o tempo todo precisando de pequenos auxílios do instrutor para completar sua iniciativa?

E foi nessa hora, no meio de todos esses pensamentos, que a hélice do avião parou.

"Coordenação, Papa Tanto Tal Tal Tal na perna do vento, pane real. Repito. Pane real, em aproximação."

Se você pudesse bater um papo com Deus, discutir que pane você teria em vôo, essa seria uma boa pane a pedir. Do lado de uma enorme pista de asfalto, com altura suficiente para atingi-la em vôo planado sem o menor problema. Por rádio veio o apoio de um outro instrutor: "vai com calma aí. Faça o cheque de corte e vai pro pouso, tranquilo!"

Cheque de corte. Magnetos e master desligados. O instrutor olha para as chaves sobre a cabine e as desliga. Mistura cortada. O instrutor pede licença ao aluno e... e verifica que a mistura já estava cortada!

Então foi isso. No cheque pré-pouso o aluno, inadvertidamente, cortou a mistura.

No fim das contas, não foi nada. O avião parou sobre a pista e, não tendo partida elétrica, os dois assustados tripulantes sairam rapidamente para empurrá-lo para a primeira pista de táxi disponível e deixar a pista principal livre. Mas poderia ter sido algo grave. Poderiam estar voando longe, sobre as fazendas da região, treinando pane simulada por exemplo.

Depois de um susto como esse, e de alegria de ter dado tudo certo, vem a inevitável interrogação: quem errou? Ou, melhor formulando a pergunta: em que momento este susto poderia ter sido evitado?

É claro que se o instrutor tivesse olhado para a ação do aluno durante o check pré pouso tudo teria se resumido a um alerta verbal "não não! mistura rica é com a manete de mistura toda à frente, deixa ela aí!". Pronto, nada mais. Também, muitos dirão, em um avião de instrução com assentos lado a lado, como o Cessna 152, o Cherokee ou o Guri, o instrutor tem melhor interação com as ações do aluno, além de ter acesso aos mesmos comandos que ele.

Observações válidas, mas não é isso que está em questão. Não vamos propor aposentar os Paulistinhas e Aero-Boero de nossos aeroclubes. E nem vamos imaginar que é sensato recomendar que um instrutor verifique visualmente todas as ações dos alunos, não importa o tipo de aeronave em que estejam: simplesmente não é algo viável, na prática.

No incidente relatado o aluno estava há mais de um ano sem voar. Era aluno iniciante com algo em torno de cinco horas de vôo. Ciente disso, a preparação do vôo deveria ter merecido maior atenção, e isso por si só garantiria maior segurança, possivelmente evitando o engano ocorrido, além de maximizar as chances de aprendizado. E se compete ao instrutor verificar como está o planejamento do aluno antes do vôo, compete também ao aluno a preocupação de realizar o chamado "vôo mental" e também o interesse de acumular, como se diz no jargão de aeroclube, algumas "horas de nacele". O que quer dizer o seguinte: vá até um avião, no hangar ou lá no pátio. Entre nele e finja que está voando. Não é algo infantil. É instrutivo, profundamente instrutivo.

Pode ser um avião simples como o Paulistinha. Mas você entra lá, pega um checklist na mão e vai relembrando todos os itens. Aí imagina que está voando e pensa "agora vou fazer uma curva de grande inclinação. Qual era mesmo a sequencia de atitudes a tomar?" Ou então: "hora de fazer um estol. Onde está mesmo o comando de ar quente? Onde está o compensador?".

Pode parecer exagero esse tipo de recomendação para uma aeronave extremamente simples como o Paulistinha. Mas o fato é que todo o vôo exige do piloto, e não importa se esse piloto ainda é um piloto-aluno, uma boa familiaridade com a cabine. Ações e decisões precisam ser tomadas a bordo e não há tempo para discussões do tipo "ei, o que é mesmo essa alavanca?".

Transponha o raciocínio para aviões mais avançados e o argumento terá sua importância maximizada. Você está voando um Cirrus e de repente precisa mudar a frequencia do rádio pois o Controle já lhe autorizou entrar em contato com a Torre. Onde é mesmo que se muda a frequencia do rádio? Você está voando um Corisco e de repente o trem de pouso não baixou. Onde é mesmo que se faz o acionamento de emergência?

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boas observações, afinal, antes de de voar temos que aprender a andar isto é: é no solo que tudo começa e uma perfeita assimilação dos comandos e instrumentos sem duvida nenhuma, vai proporcionar um raciocínio tão rápido quanto a pane que o exigiu.