segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Erros que traumatizam


Confesse: em várias reuniões de trabalho você deixou a mente rumar para outros mundos e se perdeu em seus próprios pensamentos. Não é verdade? Pois eu também. E um dos devaneios era recorrente: estava alguém apresentando alguma coisa em Power Point para a equipe de trabalho e eu lá, olhando para o projetor, aquela enorme tela branca, e pensando "puxa vida, deve ser o máximo voar no Flight Simulator com um projetor desses!"

Mais cedo ou mais tarde eu conseguiria o projetor emprestado. E consegui. Na verdade, levei meu computador para o serviço. Afinal ali eu tinha também uma boa parede para projeção, a sala de reuniões era simplesmente perfeita. Para tirar o maior proveito possível do evento, imprimi cartas de procedimento para o Galeão e para o Santos Dumont, o primeiro uma descida ILS e o segundo uma aproximação de não precisão, por NDB.

Fiz o primeiro procedimento explicando aos meus colegas de trabalho como funciona o ILS, como o piloto vai mantendo a rampa de descida. Primeiro fiz uma aproximação com toda a visibilidade do mundo e na sequencia, para impressionar, coloquei teto e visibilidade abaixo dos mínimos (é só um simulador, afinal de contas...), e trouxe o avião para o pouso. Chegou então a hora de fazer o segundo procedimento, para o Santos Dumont.

Acontece que a curisoidade do pessoal foi despertando, e o ritmo de perguntas começou a aumentar.

- A sua altitutde é com relação ao nível do mar ou o que?

- O que é aquele indicador ali de baixo de onde você vê a altitude?

- Você precisa referenciar o horizonte artificial no avião real ou é só ligar e usar?

- Como você sabe se está alto ou baixo se não tem aquela barrinha do ILS?



O procedimento em questão está aí acima. Iniciei o procedimento a partir de Caxias, fixo sobre o qual há uma órbita com proa de aproximação 147° e afastamento 327°. Após o bloqueio de Caxias, ao iniciar a descida, deve-se fazer o afastamento na radial 131°. Deve-se, portanto, curvar 16° a esquerda após o bloqueio (com as devidas correções para interceptar a radial).

Eu não fiz essa curva. Iniciei a descida e mantive a proa 147°. "Pouca" diferença, meros dezesseis graus. Só fui perceber quando verifiquei a relativa para Ilha de aproximadamente 270° e sintonizei Paiol. Era de se esperar que Paiol estivesse à minha direita, porém a agulha apontou, confiante, uns vinte graus para a esquerda! A sensação imediata é de "puxa vida, eu não estou onde imaginava estar!".

Posso arrumar a desculpa que for. Estavam todos fazendo perguntas, eu estava tentando explicar um monte de coisas ao mesmo tempo. Não havia feito um longo briefing para este procedimento. Mas o fato é que não há desculpa. Foi um erro de falta de atenção. Um erro que, se não fosse no simulador, teria sido fatal. Eu estava voando muito próximo a prédios, poderia iniciar a curva direto para cima deles achando que a qualquer momento o Santos Dumont apareceria na minha frente e, de repente, veria só uma parede de concreto se aproximando rapidamente no pára-brisa.

Sempre escrevi sobre simulação de vôo defendendo que o realismo da simulação está mais em nossa postura, na seriedade com que conduzimos à simulação, do que em detalhes técnicos do simulador (qualidade do cenário, realismo do flight model, etc.). Neste caso, portanto, eu deveria ter encarado todas as distrações possíveis de uma forma mais saudável. Em um avião, há a comunicação do rádio. Pode-se estar vivenciando uma pane em algum sistema, ou mesmo em um motor. Talvez seja um avião pequeno e um dos passageiros esteja reclamando de alguma coisa. Quem sabe uma criança chorando. Nada disso, nenhuma distração possível, poderá jamais justificar uma distração "boba" com relação ao procedimento de descida.

Para os meus amigos o meu erro mal chamou a atenção. Para mim, sinceramente, foi algo traumático. Lembrou quando, muitos anos atrás, pousei um 727 em Fortaleza com o trem de pouso recolhido. Calma, foi no simulador. Eu estava em casa, um delicioso suco de laranja ao lado. Nada demais. Mas eu estava voando a sério, e quando aquele absurdo incômodo de passar a final toda achando que o avião estava pedindo muito pouca potência finalmente se explicou, através do estrondoso crash contra o asfalto, senti-me um idiota. "Trem baixado, tres luzes verdes". Passei a falar sempre em voz alta. Mesmo no simulador, em casa. Não importa se estou sozinho ou se tem visita em casa. E eu aponto para o painel. Ali, ali está a alavanca baixada, três luzes verdes.

A lição do trem de pouso deve ser expandida a outros aspectos do vôo, e meu erro na descida para o Santos Dumont é a prova disso. Em algum momento apropriado o briefing de descida deve receber toda a atenção do mundo, independentemente de quais sejam as distrações ao redor. Olhar para a carta. Talvez até acompanhar a trajetória a ser executada com o dedo, apontando os detalhes relevantes. Falando em voz alta: "após bloquear Caxias, curva a esquerda para proa 131°". Essa simples mudança na forma de fazer as coisas teria evitado uma "gafe" na demonstração do simulador. E, certamente, evita muitos problemas sérios quando se está fazendo um vôo de verdade.

3 comentários:

Guilherme A. disse...

Ainda bem que o simulador permite a você errar. Quantas vezes já não me encontrei chgando baixo na ILS em Congonhas. rsrsrs
Quando você está concentrado naquilo e erra, a sensação é bem ruim mesmo, mas por sorte da pra corrigir com um simples reset.
E... simular num projetor deve ser bem legal. Infelizmente não tenho nenhum desses sobrando por aqui. rsrs

Bom texto e abraços.

Axel Pliopas disse...

Guilherme! Você precisa ver o simulador lá do aeroclube para ver o que é colocar um projetor no simulador! Peça ao pessoal lá pra conhecer da próxima vez que aparecer... Abraço!

Guilherme A. disse...

Vou dar uma olhada quando for lá.
Estou com o voo marcado pra semana que vem no AB-115, dai aproveito para ver isso também!

Abração